sábado, 3 de março de 2007

Reflectir sobre a nossa própria vida

O tempo da Quaresma, de uma forma especial, leva-nos a reflectir sobre a nossa própria vida. Exige a cada um de nós que chegue ao centro da se mesmo e se coloque a examinar o que já percorreu da própria vida. Porque quando vemos a vida de outras pessoas que caminham ao nosso lado, pessoas como nós, com defeitos, debilidades, necessidades, e nas quais a graça do Senhor vai dando plenitude à sua existência, a vai fecundando, vai fazendo de cada minuto da sua vida um momento de fecundidade espiritual, deveríamos questionar-nos muito seriamente sobre o modo no qual se deve realizar em nós a acção de Deus. Será que é Deus que realiza em nós o caminho de transformação e de crescimento? Será que é Deus que torna eficaz em nós a graça?
A acção de Deus realiza-se segundo a imagem do Profeta Isaías: assim como a chuva e a neve descem do céu, regam a terra e depois de a terem feito fecunda para se poder semear, sobem outra vez ao céu.
A acção de Deus na Quaresma, de uma forma muito particular, desce sobre todos os homens para assim dar a todos e a cada um uma muito especial ajuda para a fecundidade pessoal. A semente que se semeia e o pão que se come, é realmente o nosso trabalho, é aquilo que nós fazemos, mas necessita sempre da graça de Deus. Isto é uma verdade que nunca poderemos esquecer: é Deus quem torna eficaz a semente, e de nada serviria a semente ou a terra se estas não fossem fecundadas, regadas pela graça de Deus.
Cada um de nós tem que chegar a entender isto e a não olhar tanto para as sementes que cada um de nós tem. Não temos que olhar as sementes que temos nas mãos, senão a fecundidade que vem de Deus Nosso Senhor. É então uma lei fundamental da Quaresma o aprender a receber no nosso coração a graça de Deus, o esforço que Deus fez e continua a fazer com cada um de nós.
Jesus Cristo, no Evangelho também nos dá outro dinamismo muito importante da Quaresma, que é a resposta que cada um de nós dá à graça de Deus. Não basta a acção da graça, porque a acção da graça não substitui a nossa liberdade, não substitui o nosso esforço que tem de brotar única e exclusivamente de nós próprios. Cristo coloca-nos em sentinelas diante da auto-suficiencia, mas também sobre a passividade. Diz-nos que temos que aprender a viver a recepção da graça em nós, sem auto-suficiência e passividade.
Contra a auto-suficiência, diz-nos o Senhor no Evangelho: “não oreis como oram os pagãos que pensam que com muito falar vão ser escutados”. Jesus diz-nos: têm que permitir que o seu coração se abra, que o coração seja o que fala a Deus nosso Senhor. Porque Ele, antes que lhe peças algo, já sabe aquilo de que necessitas. Mas ao mesmo tempo há que cuidar a passividade. A cada um de nós cabe-nos actuar, fazer as coisas, cabe-nos o levar as situações tal e qual como Deus nos vai pedindo. Isto é, quem sabe, um esforço muito difícil, muito sério, mas nós temos que actuar imitando a Deus nosso Senhor, de nosso Pai que está no céu. Este caminho supõe para todos nós a capacidade de ir trabalhando apoiados sempre na oração.
Um dos salmos diz-nos: “os olhos do Senhor cuidam do justo e ao seu clamor estão atentos os seus ouvidos”. Se nós aprendemos a ver assim todo o trabalho espiritual, do qual a Quaresma é um momento muito privilegiado, se aprendêssemos a ver tudo isto como um trabalho que Deus vai realizando na alma e que ao mesmo tempo vai produzindo no nosso interior um dinamismo de transformação, de confiança, de scuta de Deus, de mudança de vida; um dinamismo de aproximação aos demais, de perdão, de abertura do coração. Se tivéssemos tudo isto bem claro, também nós estaríamos a realizar o que diz o salmo: “o Senhor livra o justo das angústias”.
Quantas vezes a angústia que vai na alma, provem, acima de tudo, de que nós queremos ser quem realiza as coisas, as situações e esquecemo-nos de que não somos nós, senão Deus? Mas quantas vezes também, a angústia vem à alma, porque queremos deixar tudo a Deus, quando a nós nos toca colocar muito da nossa parte? Inclusive, quando a nós nos toca colocar algo que nos faça arriscar, que nos comprometa; algo que nos faça dizer: será assim ou não será assim?, e sem dúvida, eu sei que o tenho que fazer. É a semente que há que semear.
Quando o semeador, tem uma semente e a coloca no campo, não sabe o que se vai passar com ela. Confia na chuva que a vai fazer fecundar. Quantas vezes a nós nos poderia passar a ideia de que temos a semente mas preferimos não a enterrar, preferimos não confiar na chuva, porque se ela falta, o que é que fazemos?
Sem dúvida, Deus volta a repetir: “O Senhor livra o justo das suas angústias”. Quais são as angústias? De auto-suficiência? De passividade? De medo? Aprendamos nesta Quaresma a permitir que o Senhor chegue ao nosso coração e encontre nele uma terra que é capaz de apoiar-se plenamente em Deus, mas ao mesmo tempo, capaz de arriscar.

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