segunda-feira, 26 de março de 2007

Quaresma, uma recordação de como Deus nos quer

Toda a Quaresma, com o seu constante convite à conversão, é uma harmoniosa recordação de como Deus nosso Senhor nos quer, a todos e a cada um de nós, plenamente santos, absolutamente santos. Purificai-vos de todas as iniquidades, renovem o coração e o Espírito, diz-nos o Senhor.
A lei de santidade que nos exige e que nos obriga a todos, converte-se num imperativo ao qual nós não poderemos renunciar. Mas seríamos bastante ingénuos se esta lei de santidade a procurássemos viver afastados do que somos, da nossa realidade concreta, dos elementos que nos constituem, das vibras mais interiores do nosso ser. Seríamos ingénuos se nos atrevêssemos a discernir na nossa alma aquelas situações que podem estar verdadeiramente a impedir a nossa autêntica conversão. A conversão não é somente o colocar a cinza na cabeça, como o fizemos em quarta-feira de cinzas, a conversão não é guardar abstinência de carne, não é só fazer penitências ou dar esmolas. A conversão é uma transformação absoluta do próprio ser.
Quando o pecador se arrepende do mal que fez e pratica a verdade e a justiça, ele mesmo se salva e a sua vida afasta-se dos delitos cometidos; certamente viverá e não morrerá assim. Esta frase do profeta Ezequiel fala-nos da necessidade de chegar até aos últimos recantos da nossa personalidade no caminho da conversão. Fala-nos da importância de que não dique nada de nós afastado da exigência de conversão. E se nós nos quisermos perguntar qual é o primeiro elemento que temos que purificar na nossa vida, o elemento fundamental sem o qual a nossa existência não pode ver truncada a sua busca de santidade, creio que teríamos que entrar e atrever-nos a examinar os nossos sentimentos.
Quantas vezes os nossos sentimentos nos atraiçoam, quantas vezes a nossa afectividade nos impede de alcançar uma verdadeira conversão, quantos de nós, no caminho da santidade, nos vimos obstaculizados por algo que sentimos escapar-nos das nossas mãos, que sentimos afastar-nos da nossa liberdade, que são os nossos sentimentos. Os sentimentos que são uma riqueza que Deus coloca na nossa alma, acabam-se convertendo numa cadeia que nos atrapalha, que nos impede de raciocinar e de reagir; impede-nos de tomar decisões e de nos afirmarmos no propósito de conversão. A penitência dos sentimentos é o caminho que nos tem que acabar por levar em todas as Quaresmas, mais ainda, na Quaresma contínua que tem que ser a nossa existência, para o encontro autêntico com Deus nosso Senhor.
Jesus Cristo no Evangelho fala-nos da importância que tem o sermos capazes de dominar os nossos sentimentos para podermos alcançar uma autêntica conversão. A antiga lei falava que o que matava cometia pecado e era levado ao tribunal, mas Cristo não se conforma simplesmente com isto; Cristo vai mais além no que tem que ir fazendo plena a pessoa. Jesus Cristo convida-nos, como parte deste caminho de conversão, à purificação dos nossos sentimentos, à penitência interior quando nos diz: todo o que tenha raiva de seu irmão, será levado ao tribunal.
Em quantas ocasiões nós procuramos quem sabe que mortificações raras e andamos a pensar no que é que poderemos oferecer ao Senhor, e não nos damos conta de que levamos uma penitência incorporada em nós mesmos através dos nossos sentimentos. Não nos damos conta de que os nossos sentimentos se convertem num campo no qual a nossa vida espiritual muitas vezes naufraga.
Qual é o caminho para tudo isto? O caminho é o do exame: Se quando fores colocar a tua oferenda sobre o altar te recordares ali mesmo de que o teu irmão tem alguma coisa contras ti… Entrar constantemente dentro de nós mesmos e vigiar a nossa alma é o caminho necessário, para podermos então chegar a viver esta penitência dos sentimentos. É o caminho do qual não podemos prescindir para termos bem dominada toda a corrente que são os sentimentos, de maneira que não percamos nada da riqueza que ela nos possa trazer, mas tão pouco nos deixemos arrastar pela corrente, que por vezes nos pode afastar verdadeiramente do Senhor.
Para entrarmos verdadeiramente dentro de nós é necessário que a memória e a recordação se transformem como num espelho no qual a nossa alma está a ser examinada, percebida constantemente pela nossa consciência, para ver até que ponto o sentimento me está a enriquecer, ou até que ponto me está a atraiçoar. Até que ponto o sentimento me está a dar plenitude ou até que ponto o sentimento me está a prender a mim mesmo, ao meu egoísmo, às minhas paixões, às minhas conveniências.
Vigiar, estar atentos, recordar, mas ao mesmo tempo é fundamental que o caminho de conversão não passe simplesmente por uma vigilância, que poderia resultar para nós em algo obscuro e repressivo, senão que é necessário também, que o caminho de conversão passe por um enriquecimento. Se alguém tivesse que ter alguns sentimentos ricos, muito fecundos, esse teria que se um cristão, teria que ser um santo, porque somente, o autêntico cristão, potencia toda a sua personalidade impulsionado pela graça, para que não haja nada nele que fique sem se redimir, sem ser tocado pela Cruz de Cristo.
O caminho da conversão é difícil, exige uma grande abertura do coração, exige estar dispostos, em todos os momentos, a questionarmo-nos e a enriquecermo-nos. Façamos desta Quaresma um caminho de enriquecimento, um caminho de encontro mais profundo com Cristo, um caminho no qual o final, a Cruz de Cristo tenha tocado todos os espaços da nossa personalidade.

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