sábado, 17 de março de 2007

Quaresma, caminho de crescimento espiritual

A Quaresma, que se nos pode apresentar simplesmente como um caminho de penitência, como um caminho de dor, como um caminho negativo, não deve ser visto bem assim, muito pelo contrário. É um caminho sumamente positivo, ou pelos menos assim o deveríamos nós entender, como um caminho de crescimento espiritual. Um caminho no qual, cada um de nós se deve ir encontrando, cada vez com mais profundidade, com Cristo. Encontrarmo-nos com Cristo, no interior, no mais profundo de nós mesmos, é o que acaba por dar sentido a todas as coisas: as boas que fazemos, as más que fazemos, as boas que deixamos de fazer e também as más que deixamos de fazer.
No fundo, o caminho que Deus quer para nós, é um caminho de procura d’Ele, através de todas as coisas. Isto é o que nos diz o Evangelho, quando nos fala das obras de misericórdia. Quem dá de comer ao que tem fome, quem dá de beber ao que tem sede, no fundo não faz simplesmente algo bom, ou se comporta como os demais, senão que vai mais além. Está a falar-nos de uma busca interior que nós temos que fazer para nos encontrar-mos assim com Cristo: uma busca que temos, e que teremos que ir fazendo, realizando todos os dias, para que não nos fuja, por assim dizer, Cristo em nenhum dos momentos da nossa existência.
Como procuramos a Cristo? Quando é que somos capazes de abrir os nossos olhos para ver a Cristo? Até que ponto nos atrevemos a ir descobrindo, em tudo o que está ao nosso lado, Cristo? A experiência quotidiana vem-nos dizer que não é assim, que muitas vezes preferimos fechar os nossos olhos a Cristo e não nos encontrar-mos por isso com Ele.
Porque é que nos custa então reconhecer a Cristo? O que nos diz o Evangelho, é que o problema fundamental é que nós tenhamos a valentia, a disponibilidade, a exigência pessoa de reconhecer a Cristo. Não simplesmente para fazer o bem, que isso o podemos fazer todos, senão para reconhecer verdadeiramente a Deus. Saber colocar Cristo em todas as situações, em todos os momentos da nossa vida.
Isto, que nos pode parecer um caminho muito simples, é sem dúvida, um caminho duro e exigente, um caminho no qual podemos encontrar tentações. Então e qual será a principal tentação? A principal tentação neste caminho, é precisamente a tentação de não aceitar, com a nossa liberdade, que Cristo pode estar aí, ou seja a tentação do uso da liberdade.
Creio que se existe algo ao qual nós estejamos verdadeiramente apegados, é a nossa liberdade e é o que procuramos defender em todo o momento e conservar acima de tudo. Cristo diz-nos: “Cuidado, que a tua liberdade não te impeça de me reconheceres”. Quantas vezes o ajudar a alguém significa ter que deixar de ser eu próprio? Quantas vezes o ajudar alguém significa renunciar a nós mesmos? Tive fome e não me destes de comer… E tenho que ser eu quem te dá do meu comer, ou seja, tenho que renunciar. Tenho que ser capaz de me deter, de me aproximar de ti, de descobrir que tens fome e sede e por isso tenho de dar-te o que é meu.
Por vezes poderíamos pensar que Cristo só se refere à fome material, mas quantas vezes se aproximam de nós corações sedentos espiritualmente e nós preferimos seguir o nosso caminho; preferimos não comprometer a nossa vida, pois é mais fácil, assim não me meto em complicações, e evito muitos problemas.
Todos nós somos, de uma ou de outra forma, membros comprometidos na Igreja, membros que procuram a superação na vida cristã, que procuram ser melhores nos sacramentos, ser melhores nas virtudes, encontrando-se mais com o Senhor. Porque não começamos a procurá-lo quando Ele chega à nossa porta? Cuidado então com a principal das tentações: a de ter o coração fechado.
Isto é algo muito forte, e a Quaresma tem que ajudar a perguntar-nos e a colocarmos a abertura real do coração e ver porque é que o nosso coração fechado pela nossa liberdade não quer reconhecer a Cristo nos demais. Atrevamo-nos a ver verdadeiramente quem somos, como estamos a viver a nossa existência. Abramos o nosso coração de par em par, não permitindo assim que o nosso coração acabe sedento por se fechar em si mesmo.
Façamos do nosso caminho quaresmal, um caminho para Deus, abrindo o nosso coração, e estou seguro de que, sempre que abramos a nosso coração nos vamos encontrar com Nosso Senhor, com Cristo que nos diz o caminho pelo qual temos que seguir. Reconheci-te e por isso dou-me completamente e sou capaz de superar qualquer dificuldade… Abramos o coração, reconheçamos a Cristo, não permitamos que a nossa vida se feche em si mesma. Estas são então as três condições fundamentais para que possamos verdadeiramente ter o Senhor na nossa existência. De outra forma, quem sabe que imagem temos de Deus e não se trata de fazer Deus à nossa imagem, senão de nós próprios nos fazermos imagem de Deus.
Que a publicidade à santidade, que é a Quaresma, seja um reclame ao nosso coração tão aberto, tão generoso e tão disponível que não tenha medo de reconhecer a Cristo em todas e em cada uma das situações pelas quais atravessamos; em todas e cada uma das exigências, que Cristo, venha a pedir a nossa vida quotidiana. Não se trata simplesmente de esperar até ao juízo final para que nos digam: “à tua direita e à tua esquerda”; é no caminho quotidiano, que temos que começar a abrir os olhos e o coração e a reconhecer verdadeiramente a Cristo.

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